A narrativa de prosperidade e perenidade que conhecemos demonstra sinais claros de falência. Basicamente, a referência que se consolidou de forma mais prevalente nos últimos tempos foi a de que o binômio competência e solidez financeira bastariam. A partir deles, o futuro estaria garantido. Os acontecimentos mais recentes, contudo, indicam que não. E no epicentro desse novo mundo estão em xeque especialmente pessoas, empresas, instituições financeiras e governos.

Como pano de fundo, a velocidade com que o mundo se transformou nos últimos anos, nos induziu a uma miríade de descobertas instigantes, proporcionando horizontes jamais imaginados. Desde a revolução industrial, que alterou fortemente a dinâmica do progresso, nada se compara a esse período mais recente, que tem sido marcado pelos encantos gerados pela tecnologia e pelo desenvolvimento de um volume extraordinariamente alucinante de conhecimento em todas as áreas.

A ordem do dia, desde então, tem sido simplesmente a de seguir em frente e em alta velocidade. Com mais competência instalada, logo, mais sucesso e solidez financeira. A crença que se formou foi na convicção de que “se há mercado, logo eu (empresa) existo”. Todavia, pouca atenção foi dispensada para avaliar as condições e a direção desse foguete no qual embarcamos, especialmente no que tange ao propósito dessa viagem.

Para dar tangibilidade a esse raciocínio, basta fazermos um rápido olhar na história recente no Brasil e no mundo: governos e parlamentares envolvidos em escândalos; empresas e instituições financeiras com práticas negociais ofensivas à ética; e a sociedade, que “inspirada” no jeito de ser e fazer dos que exercem qualquer tipo de poder, demonstra descrença com o futuro em razão da perda de referências moralmente adequadas.

Estamos, portanto, diante do que podemos considerar como uma crise frontal de propósitos e valores, que tem como problema de base (maus) exemplos que influenciam todos à sua volta. Quando esse quadro se configura, emerge dramaticamente a falta de confiança e credibilidade, ou seja, um perigoso risco de reputação que pode ser determinante na perspectiva da perenidade.

Esse contexto inquietante nos leva a uma reflexão sobre os elementos de base que deveriam emergir, a partir de um modelo que denomino Pirâmide de Valor Reputacional, para que haja o restabelecimento de alicerces de confiança e credibilidade. Especialmente quando observamos os casos empresariais ícones dos últimos 15 anos até os dias de hoje – como WorldCom, Enron, Arthur Andersen, Lehman Brothers e, agora, os que observamos no Brasil – há indícios de que a reputação dessas organizações foi construída apostando que a hierarquização de necessidades de uma empresa partiria de solidez financeira e operacional, seguida por estratégias, marcas amplamente conhecidas e modelos de governança corporativa formalmente estabelecidos.

Todavia, o que se torna evidente é que o avanço talvez esteja, paradoxalmente, dependente de que sejam dados três passos para trás. Diante de uma sociedade extremamente interconectada, uma consequência mais do que natural é que a troca de conhecimento e experiências eleve o poder crítico e consciência de todos. Note-se que as discussões mais relevantes se dão quando o tema é desvio de conduta, de princípios e valores que afrontam um padrão moral que, guardadas diferenças culturais (e políticas), têm preponderante convergência sobre o que é certo e o que é errado.

A partir desse pressuposto, podemos afirmar que uma empresa é plenamente capaz de superar uma crise financeira ou de imprecisão estratégica, mas com muita dificuldade consegue sobreviver a uma crise moral e de reputação em face do escrutínio público digital, em rede global, que imediatamente se estabelece aos primeiros sinais de desvio.

Estamos falando de uma força coletiva de opinião pública jamais vista. Até pouco tempo atrás, o modelo analógico, alongava o tempo de forma favorável a gestão das crises de imagem que surgiam. O fato é que a dinâmica das relações e o nível de exposição mudou e mudou muito, colocando o risco de continuidade dos negócios a flor da pele frente à deflagração de uma situação adversa de reputação.

Portanto, a questão que se impõe é como lidar com esse risco tão relevante e presente na vida das organizações. Inegavelmente, os casos empresariais recentes estão comprovando que é preciso ir muito mais além do que prover solidez financeira e competência para gerar competitividade e perenidade dos negócios.

O primeiro nível basal de construção de valor reputacional passa obrigatoriamente pela identificação de propósito e valores que explicam a razão e existir e o comportamento empresarial praticado (e não apenas pregado). Para tangibilizar a relevância do propósito na Era Contemporânea, Joey Reiman, norte-americano especialista no tema, afirma que “até pouco tempo atrás, as marcas eram criadas por agências de publicidade para o Homo consumens – aquele que quer mais, que usa mais. Mas as organizações e as pessoas que elas atendem têm feito mais perguntas, e não somente do tipo ‘quanto é’?”. Segundo Reiman, ainda, a sociedade está demandando posicionamentos que evidenciem o propósito autêntico que essas empresas têm, colocando o seguinte questionamento: “Por que devo comprar de você?”. Ou seja, as pessoas desejam saber que legado essas organizações estão entregando diariamente por meio de suas atividades na direção de justificarem o valor contributivo de sua existência para a construção de um mundo melhor.

Tão importante quanto essa premissa filosófica é o conjunto de valores que norteiam as práticas e o comportamento empresarial existentes em uma organização. Sua importância é crucial porque determina a cultura estabelecida que se faz presente no jeito de ser e agir de uma empresa. É aqui que residem elementos como o caráter (ética, integridade) e o padrão das relações que são estabelecidas (respeito, nível de proximidade).

A partir desse composto, avançamos para a segunda camada da geração de valor reputacional. Nela, encontramos as pessoas. Basicamente, o que deve ser observado é o nível de aderência daqueles que são e serão responsáveis diretos pela entrega do propósito que justifica a existência da empresa, bem como pela convergência que possuem em relação aos valores praticados e que caracterizam a forma como essa organização se comporta.

O eventual descolamento das pessoas em relação ao propósito e aos valores organizacionais pode implicar em risco de desvio de finalidade e até mesmo de continuidade aos negócios a depender do dano causado, como atos de corrupção ou de postura no relacionamento com clientes ou quaisquer stakeholders. Adicionalmente, trazer pessoas não convergentes com a cultura organizacional potencialmente produz conflitos e, portanto, ameaças ao modelo de sucesso empresarial.

No terceiro nível da Pirâmide de Valor Reputacional, apresentada visualmente abaixo, encontra-se a liderança. Ao longo de todos os tempos, o traço comum de diferentes culturas e sociedades é o de depositar sobre um líder seus anseios de ter nessa figura práticas que inspirem a todos pelas suas atitudes. Em uma organização, são elas convergentes com o propósito e os valores definidos? Esse líder é capaz de ser o exemplo para todas as pessoas que compõem sua equipe, sua empresa? A um líder pertencem todos os holofotes. É dele que são esperados os exemplos que podem ser definidores do sucesso ou do fracasso de uma empresa.

Podemos caracterizar esses três patamares da Pirâmide de Valor Reputacional como a parte submersa de um iceberg que precisa, diante da criticidade que carregam, emergir. A complexidade dos tempos atuais está nos demonstrando que esses fatores de base de uma reputação podem ser capitais para a continuidade dos negócios de qualquer empresa. Adicionados aos critérios tradicionais de solidez financeira e operacional, estratégia, marca, relacionamentos e governança corporativa são capazes de gerar modelos organizacionais verdadeiramente voltados para a perenidade.